* Alexandre De Sene Pinto
A agricultura brasileira passa por profundas mudanças na atualidade e o agricultor cobra da Ciência respostas para seus problemas, dentre eles a crescente derrota no manejo de pragas. Nesta atividade milenar, aprendemos que os inimigos delas são nossos aliados e passamos a utilizá-los em nosso favor. Os chineses, há 2.000 anos, foram os primeiros a manipular formigas para o controle dos insetos das laranjeiras, criando um manejo racional de pragas.
Entretanto, no último século, parece que o uso dos inimigos naturais no manejo de pragas foi esquecido. Na década de 1940, com o advento dos inseticidas químicos, passamos a utilizar esta tecnologia de forma quase que exclusiva e criamos diversos problemas de resistência de pragas aos inseticidas e muitos problemas ambientais e de contaminação de alimentos, prejudicando nossa saúde e também a da natureza.
O uso dos inimigos naturais, que caracteriza o controle biológico, por dois milênios foi realizado de forma simples. Foi feito apenas o intercâmbio de agentes de um país onde ele existia para outro onde era aparentemente inexistente, num processo conhecido como controle biológico clássico. Essa técnica foi útil e eficaz naquela época, mas certamente causou problemas que até hoje são desconhecidos por todos, pois não havia nenhum critério na importação desses inimigos naturais, que devem ter deslocado ou até eliminado algumas espécies nativas menos competitivas, mas que eram relevantes no equilíbrio daquele ecossistema.
Hoje, esse tipo de controle biológico é regulamentado mundialmente, mas ainda não temos uma boa compreensão de como podemos avaliar o real impacto de uma nova introdução.
O controle biológico natural, que tem por objetivos a preservação e até o incremento das espécies de inimigos naturais que ocorrem nas lavouras, atualmente começa a ganhar importância e destaque nos agroecossistemas. Entretanto, ainda predomina a hipocrisia nessas práticas, pois muito é falado em discursos eloquentes, mas pouco ou nada é feito. Muito se preocupa com o efeito dos agrotóxicos sobre espécies de inimigos naturais comuns (seletividade), mas se desconhece o real impacto sobre os demais organismos não-alvos que vivem e interagem com plantas e pragas no agroecossistema de qualquer cultura.
O agricultor moderno, especialmente o brasileiro, começou a se interessar pelo controle biológico quando a tecnologia de aplicação de inimigos naturais passou a ser mais parecida com a de agrotóxicos. O controle biológico aplicado usa um inimigo natural nativo ou exótico (introduzido) eficaz e bem conhecido em liberações inundativas, ou seja, em grande quantidade, no controle de populações das pragas. Essa liberação de milhares de organismos força a população da praga a voltar ao seu nível de equilíbrio, sem causar danos às plantas, assemelhando-se a um inseticida.
O controle biológico aplicado, diferente do clássico e do natural, exige um maior conhecimento da tecnologia de liberação de parasitoides e predadores ou da aplicação de microorganismos. No passado, a forma de liberação de um parasitoide ou predador, por exemplo, era simplesmente levar ao campo um recipiente contendo os organismos e soltá-los, sem critérios científicos. Hoje, a tecnologia de aplicação de inimigos naturais evoluiu e os critérios, melhor elucidados pela Ciência, não são mais empíricos, ou seja, baseados apenas na experiência do profissional que desenvolveu a estratégia.
A tecnologia de liberação de um parasitoide ou predador, por exemplo, precisa levar em consideração a fase de desenvolvimento da cultura, a variedade utilizada, a quantidade liberada, o número de liberações e a frequência delas, além dos recipientes de soltura entre outros fatores.
Como exemplos de alguns desses fatores influenciando a liberação, na cana-de-açúcar o horário de liberação de Cotesia flavipes e de Trichogramma galloi no controle da broca-da-cana (Diatraea spp.), que era conhecido ser pela manhã ou final da tarde, hoje sabemos que pouco importa o horário. No milho, a quantidade liberada de Trichogramma pretiosum para o controle da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) pode ser de 100.000 adultos ou pupas em sete liberações seguidas ou de 200.000 em cinco liberações, mas se 400.000 parasitoides forem liberados, na falsa ideia de que “quanto mais, melhor”, o controle é quase nulo.
Há incremento da produção de milho após a liberação de diferentes quantidades de Trichogramma pretiosum no controle da lagarta-do-cartucho.
Hoje, sabemos que não precisamos liberar no campo adultos já emergidos, que é uma técnica onerosa e que exige grande quantidade de mão-de-obra. As pupas dos parasitoides podem ser liberadas para que a emergência (“nascimento”) ocorra no campo, dentro de cápsulas ou fora delas. A técnica de espalhamento de pupas, sem proteção de cápsulas, com ou sem repelentes de predadores, é uma realidade que favoreceu o uso de aviões e drones para a aplicação desses bioprodutos. O parasitoide Trichogramma galloi para o controle da broca-da-cana já é liberado sem cápsulas por aviões, há dois anos, em usinas de todo o Brasil. O próximo a usufruir dessa tecnologia inovadora será o parasitoide Cotesia flavipes, que hoje ainda é liberado da forma antiga em recipientes com adultos emergidos, técnica que não evoluiu nos últimos 40 anos.
Mas apesar do controle biológico aplicado ter evoluído, os estudantes envolvidos com as Ciências Agrárias estão ainda sendo formados sem nenhum conhecimento sobre esses avanços. As Universidades ensinam sobre o reconhecimento de predadores, alguns parasitoides e os sintomas de infecção por alguns microorganismos, sobre algumas pragas que esses inimigos naturais atacam e sobre a forma de liberação em campo de um ou outro agente biológico, sem aprofundar na tecnologia de uso em campo. Vale lembrar que as Universidades e os cursos técnicos aprofundam o conhecimento na tecnologia de aplicação de agrotóxicos, que não é possível ser aplicada para agentes biológicos.
Aliado a isso, outro grande problema que ocorre no mundo é que a mentalidade ainda é de controle biológico clássico. Agricultores que utilizam há muito tempo essa tecnologia, técnicos de nível superior formados até o momento e mesmo cientistas não se aprofundaram na tecnologia de liberação e aplicação de produtos biológicos. Pesquisadores desenvolvem projetos grandiosos com algum inimigo natural, mas que fracassam quando utilizados em campo, por não desenvolverem o conhecimento de uso em campo. Para se ter uma ideia desse problema, basta procurar nos artigos científicos de controle biológico publicados até poucos anos atrás e não será mencionada a tecnologia de liberação utilizada ou, quando muito, apenas poucas informações serão fornecidas, inviabilizando a repetição dos resultados obtidos em campo.
Em uma década, a área que utiliza produtos biológicos deverá ser igual àquela onde agrotóxicos são aplicados, pois o controle biológico cresce mais de 30% ao ano no Brasil. O que preocupa é que não teremos profissionais qualificados para o uso de bioprodutos até essa época, se uma disciplina específica de tecnologia de aplicação de produtos biológicos não for incluída da grade curricular das instituições de ensino superior e técnico.
Quantos agricultores e profissionais de nível superior que atuam no controle de pragas têm conhecimento da tecnologia de aplicação de bioprodutos hoje no Brasil? Quantos estudantes sabem disso? A resposta pode ser preocupante.
Para amenizar esse gargalo, foram criados treinamentos itinerantes em controle biológico, com foco na tecnologia de aplicação de bioprodutos, para reciclagem de profissionais das Ciências Agrárias e informação de agricultores e estudantes. Uma especialização no assunto também deverá surgir em breve.
Vivemos um momento importante para a agricultura e o Brasil se destaca na área, onde somos líderes mundiais e desenvolvemos as melhores tecnologias para clima tropical, porém ainda falhamos em tecnologias sustentáveis e inovadoras. O controle biológico brasileiro é um exemplo para o mundo, pois provamos que é possível manejar as populações das pragas com produtos biológicos em áreas extensas e que podemos usar instrumentos sofisticados para isso, como drones, para facilitar o uso desta tecnologia. Chegamos a um momento que conseguimos transformar o controle biológico na tática principal do manejo integrado de pragas, minimizando a dependência por agrotóxicos, e conseguindo salvar o controle químico e os transgênicos do impacto da resistência das pragas.
* Alexandre De Sene Pinto é engenheiro agrônomo, pesquisador especialista em controle biológico, consultor em manejo de pragas e diretor de Pesquisa & Desenvolvimento da BUG Agentes Biológicos